Religiosamente, todo mês recebo um telefonema como o abaixo:
<Fulano> Alô, Kico?
<Fulano> Sou eu, fulano, tudo bem?
<Kico> Opa! Quanto tempo? Como andam as coisas?
<Fulano> Cara, ótimas! Estive pesquisando, e tive uma idéia genial que nos deixará ricos, e você é o CARA para implementá-la. Podemos nos encontrar?
<Kico> Claro… de novo?
<Fulano> É! Mas desta vez é diferente!
<Kico> Sei, uai, bora lá!
E acreditem, Fulano não é um único sujeito! E após nossa conversa, sem querer acabo destruindo os sonhos do sujeito com perguntas como: “cara, que bacana. Mas e o plano de negócios? Você já fez?” ou “hmm… e de onde virá o dinheiro para financiar isto?” ou, a mais cruel: “e quem vai querer isto?”. Claro, como todo bom brasileiro, o sujeito não desistirá nunca, e apenas algumas semanas depois me procurará de novo com outra idéia, e assim iremos progredir até que algo de fato viável surja.
E aqui entra uma das maiores armadlhas para desenvolvedores: não há como ficar rico do dia pra noite.
Percebo que uma multidão começa a se interessar por desenvolvimento com a esperança de ficar rico. E o mais interessante, é que o dinheiro nestes casos perde completamente o seu significado: Aristóteles já dizia entre 384a.C e 322a.C: “o dinheiro não é um fim, mas sim um meio” (Ética a Nicomaco) . Mas mesmo assim, mais de dois milênios após, as pessoas ainda não acreditam nisto. Dinheiro ainda é visto com o O objetivo por tras de todo trabalho. E muitos destes desenvolvedores caem no que chamo de sindrome de Bill Gates:
Só porque o homem mais rico do mundo ficou rico com software, isto não quer dizer que você também vai. Percebo que a mídia cria uma ilusão na cabeça das pessoas de que os seguintes fatores são reais:
- Programar não é difícil (“vejam o Bill Gates: um carinha todo atrapalhado ficou milionário programando!”)
- Se a sua idéia for realmente boa, as pessoas vão comprar (“e nem precisa de plano de negócios! As pessoas vêm voando em cima de você!”), ou seja, basta estar “inspirado”.
- Após ter implementado seu “programa”, é só colocá-lo na Internet e pronto!
- Os gênios nunca são compreendidos em um primeiro momento.
Na realidade, os quatro argumentos são os mais furados da história: sendo assim, vamos começar a analisá-los um a um:
“Programar não é difícil”
Aham… Na realidade, se programar fosse tão fácil como dizem, então a maior parte dos projetos de software dariam certo, correto? Errado! (e aqui estão algumas estatísticas (embora antigas, porém ainda reais) que mostram isto). Desenvolver hoje em dia pode ser mais fácil que nos anos 80, porém continua sendo uma tarefa árdua. Aliás, se fosse tão simples assim, qual a razão de existirem cursos universitários como ciência da computação? Por que no meu prédio sou a única pessoa capaz de desenvolver sistemas? Não deveriam ser todos capazes?
“Se a sua idéia for realmente boa, as pessoas vão comprar”
Sim sim, claro! E nem precisa de plano de negócios, certo? Nem precisa pensar no que as pessoas realmente precisam, correto? Afinal de contas, elas ainda não sabem que precisam, não é mesmo?
(ocorre aqui uma certa arrogância por parte do “candidato a bilionário”: só porque ele tem uma necessidade específica, isto não implica que todos também as tenham)
Esta idéia é a maior tolice de todas. Para que algo dê certo, é preciso muito estudo por trás. É preciso fazer um plano de negócios completo, observando todos os riscos envolvidos. Quem são seus concorrentes? Quem vai querer usar isto? Qual a sazonalidade? Normalmente, quando o sujeito começa a fazer o plano de negócios já sai completamente deprimido. Antes de completar a primeira página o negócio já se mostra inviável, porque não consegue responder as perguntas simples que citei acima. E, pior: normalmente o sujeito nem sequer consegue descrever o que quer criar.
E aqui entra um famoso teorema Kiconiano: “você só conhece aquilo que consegue descrever”. Explicando: se você conhece alguma coisa, absorve o vocabulário que a envolve. E se conhece este vocabulário, e o relacionamento entre os termos presentes no mesmo, consegue descrever aquilo que está tentando vender. Simples assim. Caso não consiga, é sinal de duas possibilidades:
1) Sua idéia não presta
2) Sua idéia ainda não está formada (resumindo: ainda não presta)
“Após ter implementado seu programa, é só colocá-lo na Internet e pronto!”
As pessoas realmente acreditam que o simples fato de algo estar na Internet a tornará popular. Aham. E ai se esquecem completamente que é preciso divulgar a idéia e, mais importante, após divulgá-la, saber gerenciar a resposta do ambiente a ela. Sou a prova viva de que isto não funciona. Querem ver?
Em 1999 coloquei na Internet um software chamado MatMaker. MatMaker era um soluconador de problemas matemáticos para estudantes de primeiro e segundo grau. Como naquela época eu também era um estudante de segundo grau, resolvi resolver boa parte dos meus problemas criando um programinha para este fim (a palavra programinha é muito bem colocada, uma vez que, na realidade, o software era a coisa mais amadora do mundo). Para minha surpresa, o software foi sucesso imediato. Da noite para o dia, comecei a ser citado em diversas teses de mestrado, doutorado e trabalhos acadêmicos. Já naquela época, eu realmente acreditava que não era necessário cobrar pelo sistema, e ele seria gratuito para todas as escolas públicas do Brasil. Escolas particulares no entanto precisariam pagar pelo bicho. Quanto ganhei com isto? Financeiramente, nada, profissionalmente, alguma (alguma (alguma (alguma))) experiência.
Em 2001, eu precisava enviar e-mails para uma série de pessoas, e achava o Outlook muito complicado. Sendo assim, criei um software chamado KMala e o coloquei disponível no meu site. Nunca cobrei pelo mesmo, porém, para minha surpresa, um belo dia o software foi parar em uma destas finadas revistas de CD-ROM. Resultado: da noite para o dia chovia e-mail em cima de mim perguntando o preço do software. Para todos eu respondia: “nada”. Para meu choque, o software passou a ser comercializado por terceiros (sem que eu sequer sonhasse com isto). E o que aconteceu? Os provedores de Internet começaram a mudar suas regras de configuração dos servidores SMTP. O software parou de funcionar e minha caixa de correio ficou lotada com pessoas reclamando comigo que haviam comprado uma merda de programa que não funcionava. Resultado: gastei ANOS tentando limpar meu nome por algo que não fiz (link aqui).
(detalhe: BOA parte do spam nacional era enviado por este software, que acompanhava aquelas malditas compilações de endereços de e-mail vendidas em CD-ROM)
Sendo assim, sou um bom exemplo de que esta afirmativa é falsa. Principalmente porque em ambas as experiências tive meus softwares extremamente bem divulgados (mesmo sem o meu conhecimento). Como podem perceber, eu poderia ter feito algum dinheiro com isto, no entanto fui completamente incapaz de gerenciar o feedback que obtive.
Levou anos para aprender a fazer isto. ANOS.
“Os gênios nunca são compreendidos em um primeiro momento.”
Esta é a mais cruel das falácias, e como podemos perceber, é muito utilizada. Basta observar algumas fotografias dos nossos recentes bilionários americanos:
Observando as fotografias, um padrão se repete: os caras ficando ricos não são lindos nem especiais: são pessoas como eu e você. Cria-se então a impressão de que em um primeiro momento, foram caras completamente ignorados pela sociedade, correto? Verdadeiros “gênios” cujas idéias eram tão fantásticas que simplesmente calaram todos aqueles que os ignoram em um primeiro momento, correto? Errado!
Todos tem por trás executivos altamente qualificados (normalmente capitalistas de risco) que controlam cada aspecto por trás do gerenciamento dos negócios envolvidos. Você realmente acha que quem gerenciava os negócios da Apple no início era Steve Jobs? Você realmente acha que toda a grana da Microsoft veio só da genialidade nos negócios de Bill Gates? Convenhamos: é muita ingenuidade. São estas pessoas que definem o que é de fato uma idéia boa ou não. Os fundadores são apenas a imagem pública da empresa.
A pergunta que fica é: se você tem um negócio, e quer vendê-lo, porque expor como lider do mesmo alguém que aparenta não possuir experiência alguma em administração? A resposta é simples: porque o público alvo meu caro desenvolvedor, é você. Repare que sempre por trás do “lider”, o produto vendido consiste em uma plataforma. Uma plataforma na qual você poderá criar seus programas e talvez ficar “extremamente rico” do dia pra noite também. E sabe quem realmente fica mais rico com isto? As empresas, não você.
Resumindo: você caiu de novo no golpe da propaganda. Desculpe por destruir suas ilusões.
Concluindo
Ficar rico não é fácil. E buscar o dinheiro como fim é coisa de idiota (lembre-se: ele é apeanas um meio). Nossa profissão é extremamente difícil, se você analisar o sucesso por trás de cada novo bilionário, irá perceber que é fruto de MUITO esforço, de incontáveis noites sem dormir, de inúmeras recusas e infindáveis frustrações. A única coisa que todos tem em comum é a perceverança. Em nossa profissão, se você não ama o que faz, acredite: jamais irá ter sucesso algum.
É preciso que no desenvolver haja uma paixão incrível por aquilo que se está produzindo, pois caso contrário, você irá simplesmente desistir do trabalho. Os obstáculos são infindáveis até que um produto chegue a ser comercializado (e ser comercializado não é garantia de sucesso): há inúmeros defeitos a serem resolvidos, pessoas a serem convencidas, e contas, muitas contas a serem pagas. Isto sem mencionar a burocracia. Se você realmente acredita que basta começar a programar para ficar rico, acredite: não é verdade, arrange outra profissão.
Apenas programar por programar não lhe levará a lugar algum além do “vale da decepção”. E pior: se você não amar MUITO (mas aqui eu digo amar de verdade, ser realmente APAIXONADO pelo que se faz: ter na sua cabeça o que está fazendo o tempo inteiro), com certeza seu produto será uma merda SE vier a ser concluído.
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